24 fevereiro 2011

Fervores


Cumprimenta-nos o fogo, da lareira, acenando-nos à sua maneira. Aquecemos as mãos sobre a lenha crepitante, que refila connosco, avizando-nos que quem brinca com o fogo, faz xixi na cama. E fazêmos, na nossa pura inocência.
A mãe pergunta-nos quem é o nosso melhor amigo e, sem resposta, olhamos para aquela fogueira que nos aquece o coração desde sempre. Pedimos perdão pela frieza, mas o mundo é assim, um celibato de santidades sabedouras que nos sumariam às cinzas da lenha queimada.
E o resto da história não sabemos, porque adormecemos sempre aconchegados de fronte à lareira até a última brasa adormecer.

22 fevereiro 2011

Cobiça


Cultos são aproximações nossas ao nosso desconhecido.
Tudo o que é teu, é só teu. Portanto, encontra-se enterrado por mais que vísceras, terra ou meteoritos. Embrulhados dentro de tesouras, desfiados dentro de conchas. É um encontro contigo que tu desconheces, não te apercebes; mas sabe-te bem.
É descobrires que és infinito e que nunca te entenderás.
O que é mais puro de ti, não o dês a ninguém.
E emprestar é fútil.

20 fevereiro 2011

Somo-lo todos.


- Aqui diz que os artistas normalmente só são reconhecidos pelos seus feitos muito depois de morrerem, papá.
- É verdade, filho.
- Porquê? É um atrazo social?
- Não. É ingratidão.

19 fevereiro 2011

Psicose


Gritavas-me aos ouvidos, como se môco fosse, que eras campeão de xadrezes que te custavam cortex's e hemisférios. Conseguiste todo o tipo de estatutos, penetraste no órgão primeiro a ser concebido...
Mas faltou-te vida.
Faltou-te conheceres-te como eu te conheço, faltou-te tomares todas as perspectivas, porque o espaço e a Geometria assim o mandam. Faltaram-te recursos ao diálogo, ao discurso, onde se ouve durante sempre.
Faltou-te também caires a meu lado, daquelas quedas gigantes. Vermos filmes juntos, falarmos sobre isso, termos grandes dificuldades financeiras, aprendermos a andar de mota juntos, levarmos o cão à rua com um frio de rachar...
Faltou-nos tudo isso.
E hoje não temos nada.

16 fevereiro 2011

My pillow


She's my best friend.
I know i can always lay down my head on her.

Títulos


Sempre me disseste que eu era uma super estrela. Divertiamo-nos nos campos, com cães Sawtelle olhando-nos nos olhos. Contentavas-me os mimos com galões bem quentes, bolachas de manteiga e músicas que embalavam o ar. Fazias-me conhecer a tua mão sobre a minha nuca todas a noites, antes de adormecer.
Mas nunca construímos uma intimidade intelectual.
Nunca fui capaz de dizer-te quais os meus filósofos preferidos ou as histórias que os livros me contam, nunca te revelei aquilo que penso aquando das minhas reflexões nocturnas ou quando reflicto sobre várias vidas, no banho. Nunca te mostrei as amadoras teorias de um advogado criança onde as espadas já só são de papel.
Nunca te cheirei a lenha queimada porque nunca fizémos luz com diálogos eternos de uma tarde.

14 fevereiro 2011

Mickey is a pedophile.


Sauda-nos no ecrã, entra-nos nos sonhos, diverte-se com as nossas fantasias e depois desilude-nos não comparecendo quando realmente estamos sós. "Anima-te a ti próprio" - pensa ele, num vê se te avias.
E assim viola-nos a infância, obrigando-nos a crescer mais rápido.

13 fevereiro 2011

Armaduras


São rochas no corpo, enraizadas em matrizes pommes completas de areia que nos precipitam a língua. Punhados de groselhas fecham-se sobre os mapas das palmas das mãos e a força trava-nos um brinde eléctrico e homogénico. Os orgãos gritam-nos no corpo e as cordas vocais afinam-se, fazendo o corpo trabalhar como uma locomotiva sem descanço. Rejeitam-se os dejectos e bebe-se os fluidos dos deuses. Compõe-se a postura, orienta-se bem a língua e a armadura sobe-nos à pele.

12 fevereiro 2011

Fatalidades


Quero-te morto.
Quero-te morto por uma questão muito simples: capricho.
É capricho querer o teu corpo mais pálido, era assim estipulado na beleza monárquica. Ter-te os olhos cinzentos e vazios deixaria-me contente, não verias tanta falta de beleza em mim. Quanto à interior, a gente arranjava-se.
Quero-te o corpo morto para poder relembrar-me mais frequentemente da tua frieza interior para que eu desista de magoar-te, seja como for.
É também um desejo sem fundamento querer o teu morto corpo frio para poder refrescar-me nele sempre que a temperatura aquecer.
E daquela vez que a cobra te picou e eu tive de te sugar o sangue?
Eu funciono por desejos, sabes disso.
Um dia "pico-te" para repetirmos a experiência mais intensamente.

10 fevereiro 2011

Por trás do Sangue


Por baixo de uma árvore, a menina que levava as maçãs à avó parou e perguntou-me porque é que eu era um monstro.
Eu, a salivar sangue da boca, espantei-me com a pergunta e, simplesmente, chorei. Chorei, chorei e chorei. Chorei porque os monstros são uns tristes, logo tenho o direito à tristeza. Chorei tanto que ela me afagou no seu colo; aquela menina bondoza.
Perguntei-lhe: Porquê mau?
Porque não te conhecia, disse ela.
Porque as camadas efémeras da ignorância cobriam-me as verdades suspiradas sobre ti. Vi-te carrancudo durante dias, avarento com tudo e sempre cauteloso à noite. Assutavas-nos, a mim e às outras crianças, e nós chorávamos, com medo de ti, ao colo de nossos pais, dizendo que eras um monstro horrível e do Inferno. O que nós não sabíamos é que te viamos há dias, e que os dias não mostravam os anos anteriores onde tinhas realmente conhecido o Inferno, tendo sido tão queimado que voltaste cheio de réstias e marcas dele. Tuas cordas vocais queimadas e horrorosas nunca interpretámos: assustavam-nos porque não sabiamos que pedias um socorro à tua maneira. Não sei, não faço a mais pequena ideia se pedias para brincar connosco, mas nós não percebiamos e fugiamos de ti, sem perceber que, mais uma vez, o Bem recusara-te e fugira de ti. Os filmes da Disney ensinaram-me que os monstros tinham um passado cruel e, que com beijos de amor das princesas, eles voltavam a ser humanos.
Perguntei-lhe então se haviam monstros na Terra.
Não sabia bem, disse ela.
Que a Terra era um ponto de encontro dentro de uma salada de transformações, sorteadas ao número das estrelas do Cosmos. Nunca vi um monstro como tu chorar. Talvez porque nunca te conheci, apesar de te ter visto durante tantos dias. Mas viver no vosso mundo é uma aventura gelada que vos petrifica e imobiliza, e até que todos nós ganhemos fôlego e coragem para cobrir-vos em conjunto com calor humano é um desafio desgastante também. Quando fôr embora, vais continuar a aparentar a monstridão de sempre, porque te vejo superficialmente. Porque não vou sentir e vou esquecer as chagas que senti hoje.
Até amanhã, disse-me.
E eu disse-lhe que os monstros não choram.

07 fevereiro 2011

Jaguares


Era tão bom quando gritávamos aos montes e os pássaros levavam o som por toda a parte, resultando num eco. Viamos cores exóticas, molhadas, araras com cabazes na cabeça representando as musas do Carnaval da Selva.
Papagaios falantes de olhos vermelhos, serpentes de boca preta e panteras cor da noite.
Era isso que queriamos? Talvez fosse.
Transpiravamos entre as folhas gigantes das árvores e dançavamos o culto da chuva para as colheitas. Tomávamos banho em lagoas cristalinas e os tubarões queixavam-se da nossa luxúria.
Encantavamo-nos não por sermos crianças humanas inocentes, mas porque aqueles bicos segurados por ossos ôcos saudavam-nos de penas eriçadas e coloridas para que a nossa energia brilhasse também.
E nós cantávamos, esfregando-nos à terra, lado a lado com os primatas, querendo reintegrar-nos numa família separada desde que a estúpida consciência decidiu cair em nós.

02 fevereiro 2011

Resistence is Futile



Maldades são sempre maldades.
E os terríveis, maldosos e vilões sempre serão o horror. Muitos, tornam-se demónios vivos aquando da ascenção divina. Mesmo cá na terra, eles segredam-nos mel aos ouvidos e acariciam-nos com talha dourada que tanto gostamos.




Os bons? Cá na Terra,
São bons até cometerem um único pecado.
Porque cá na Terra não há Jesus Cristo. Não há perdão para pecados.
E morrem infelizes, comidos pela terra sem sentirem qualquer toque dos Céus.



Os maus? Morrem na Terra, tornam-se terra prevalecendo no solo em que vocês se deitam e eternizam-se para sempre lá. Convosco.
E tornam-se demónios que vos consomem.