30 junho 2011

Perdoai-lhe


(...) E dizes-me, Senhora, que deus existe?
Vejo-te a chorar, na nossa paragem de autocarro, com saudades da banda angolana, que quis alguém destruí-la. Convidas-me a fazer-te companhia em tua rica casa, pois os filhos formam-se lá fora e a viuvez sempre foi moda. És rija, de 80 impérios, 3 continentes e dizes-me que vais à missa enquanto eu vou à arte. 80 impérios e o teu corpo ainda é rijo, trabalhado para sofrer os caroços da vida que custam a engolir. Falta-te a armadura de soldado e hoje estás sozinha. Tudo o que lutaste para ter, hoje não o podes partilhar. Ganhaste guerras em nome de quem? Venceste tudo em nome de quem? Hoje estás sozinha.
E dizes-me que Aquele Merdas existe.

25 junho 2011

Novelty


A tua vida foi um comboio de rock n' roll puxado por unicórnios de lâmpadas mentais que faziam ricochete com a Lua numa manhã onde os eucaliptos espirravam fresco para cima de nós, que fugíamos dos bigodes de baleia que os passageiros usavam como colar em vez de queimarem o mar.

22 junho 2011

Fresco


Respira forte, gosta de brincar com o ar. Dá pulos imensos, de prédios a prédios. Sopra para rochas, diz que gosta de ouvir o ar a raspar na superfície daquela solidez, ao tentar penetra-la. O vento nas costas é poder, de frente são cabelos esvoaçantes, na cara são lágrimas caídas e na boca é sentir-lhe o paladar. Corpo todo esfarrapado, das quedas enormes que provoca e expira o fumo da erva pelo nariz.
Sorri com um suspiro, que o ar não estagna dentro de si.

13 junho 2011

Evil Bible


(...) E que ninguém te conheça de verdade para não saber o Diabo que és. Pois tantas camadas de lábios sorridentes escondem-te os dentes cerrados; pois quem Satanás vê, por Ele é visto. Não veja o Homem o mártir teu, as rugas na tua cara, o punho explodido e cerrado, o coração acariciado pela inveja, os dentes apodrecidos pelo ódio. (...)
Não toque o Homem onde o nojo faz a festa.

Bloodgate


A vitória é como lavares os dentes com o sangue do inimigo:
vê-se no sorriso.

03 junho 2011

Corridas redondas


Há gente que não sabe ver as horas. Não acompanha o ritmo dos ponteiros, não sabe para que horas apontam: para o tempo certo. Vivem num tempo que mais ninguém vive, como dançar uma música que não está ali. Nem sabem estar no mundo a horas, nem chegar faz parte dos critérios. E se quiseres acertar-lhes os ponteiros da vida, perguntam-te se é assim que se acerta e ainda recusam, desconfiados de ti.
Há quem não saiba ter relógios no pulso. Porque para ter um relógio é preciso coordenação mútua entre os dois elementos.
Pois quem não entender de relógios, nunca vai estar lá a horas. Nunca vai estar em lado nenhum.
Em tempo algum.

02 junho 2011

Não se fala de moedas.


Pena é o pior sentimento já encontrado. Lembro-me que o larguei logo, à procura de novos sensações e sentimentos.
No dia que eu tiver pena de ti, é porque não há ponta de admiração para contigo.
É porque nos meus olhos dirigidos a ti eu vejo fezes, insetos e pobreza.

E se achares que a injustiça tomou reino de mim, dirige-te a uma vidente e o seu dom não verá futuro nenhum nas tuas mãos.

01 junho 2011

Obras narradas


O narrador de histórias é um homem ainda jovem, acabado de sair do sal do mar. É alto e veste roupas que falam de si de um jeito sublime. Conheci-o no seu lugar preferido: nas traseiras de um bar virado para a praia, sentado numa poltrona velha que tapara com uma manta de Inverno. Eu não sei se ele vive ali, mas aquilo é a sua vida.
Conta histórias aos que lá passam pelas traseiras: os que andam à procura do wc, os que vieram atender uma chamada telefónica e os que vieram vomitar. E todos se apaixonam pelo jovem contador de histórias que carrega livros em ambas as mãos. Alguns nem voltam a entrar no bar, suspeitaria que teriam fugido com ele se ele não estivesse lá todos os dias, assegurando a sua presença.
Diz que não gosta da praia, mas dali consegue ver o mar e fá-lo todos os dias da sua vida. Porque diz que observar o mar é o seu sonho e, mesmo que conseguidos, dos sonhos não se desistem.