29 dezembro 2011

Empty Bones


Terá de se marcar consulta e agendar revolta no gabinete do Sr. Empanado. Trazer em malas de couro os livros de Platão e Dante para comprovar o prognóstico. Reclamar a independência do corpo e declarar fracasso à sobrecarga da exploração à mente.
Terá de se fazer culto à coragem e usar o elmo espartano de Aquiles combinado com as asas de Hermes e voarmos para caçar os monges que nos servem iguarias. Teremos de ser puros e feitos de fruta fresca, cantar futuros hinos de filmes que os de lá de baixo realizam e termos o poder de sermos vigilantes de Deus.

28 dezembro 2011

Sardónicas


É visível a beleza de uma pedra no meio de uma rua suja.
É gloriosa a sua intemporalidade. Por ser uma pedra.
Por mais que partida aos bocados , continuarão a ser pedras.
Por mais que limada, pedra há de ser.

Só reduzida a pó, pó fino que se confunda com o ar, deixará de o ser .

Poseidon


É das entradas nos anos 30, da barba mal feita porque o álcool não deixou. Os dedos fortes, registo de poucos anos nas obras e da masturbação ao ver posteres de putas.
A maneira como se cerra os dentes já num estado raivoso depois de um cigarro fumado, seguro entre o polegar e o indicador. Do cheiro a tabaco com perfume, do corpo outrora cultivado na distante adolescência, o ressonar à noite em cima do corpo adormecido de outrem.
Altera até o acender as velas, o vinho bebido enquanto se cozinha e o jogar à bola na praia para o cansaço permitir o adormecer ao peito do Sol.

27 dezembro 2011

In Rome, be a roman



O frio não te gela porque inventaste a anestesia. Chamas "fraca" à pele de galinha e partes glaciares às cabeçadas. A goela é cortante mas grave, à espera de ser sodomizada e só explodes quando é para criar Mundos. Quebras nozes com os dedos dos pés e mandas cá para a sala para o povo comer com castanhas de caju.

Namora alguém de pedra. Que finja as suas lágrimas para matar a sede, que te pese o coração e que o esmague como se faz aos que são pequenos. Alguém que construa uma casa e não ganhe calos, conduza um carro de luxo que não seja automático, que saiba como comer consoante o ambiente social. Te chame nomes, te puxe o cabelo na cama e durma a noite toda em cima de ti. Que te despreze quando achas que nem estejas a ser criança, que te obrigue a tomar banho juntos na tua banheira e porque está-se pouco fodendo para as tuas contas.
Te mande uma carta só uma vez na vida e o resto dela que veja desenhos animados na TV, que transpire a tua roupa toda porque a usou sem pedir durante a semana toda. Que te roube um dos livros preferidos, que vá viajar durante 3 longos anos e depois se sente na cama de semblante bem relaxado e espere por ti, apenas se quiseres ir. Se não quiseres, não há problema: a adolescência volta ao auge.

24 dezembro 2011

Fameless murderers


Quando era pequeno, sonhava fazer parte dos filmes e dos desenhos animados que via na Tv. Mas nada disso tinha, assim que a Tv desligava e Lucas via o seu próprio semblante despenteado naquele quadrado preto que a televisão se transformara. Crescera com poucos amigos, sonhara dentro do quarto durante décadas.
  Hoje passeia pelas ruas lisboetas a caminho do  discreto trabalho da mãe. Sapatos engraxados e um sobretudo bem estimado, secretamente comprado na feira da ladra. Na mala que traz vêm apenas algumas pastas e um casaco suplente, caso faça muito frio. Os seus passos são metódicos e fazem barulho sempre que a sola bate no alcatrão gasto do passeio. Chega ao prédio e abre a porta, marcando o código que a mãe lhe dera para poder entrar em «ocasiões especiais». Subiu silencioso o elevador, enquanto ajeitava o cabelo já oleoso e espremia as borbulhas sebentas que os clientes viram, no seu trabalho. Bate à porta só com um toque bruto, o sinal de que era ele.
  «Entra» foi tudo o que ouviu da cara transpirada da mãe ao abrir-lhe a porta. Dirigiu-se imediatamente à cozinha, onde estavam ali desmembrados e sem pele o tronco e um membro inferior de Xico. Viu o sangue derramado pelo lavatório e algumas pingas no chão, mas não se preocupou: a patroa não iria, com toda a certeza, ver. Lucas pegou numa faca grande e continuou a cortar o tronco com todo o prazer infernal que aquela tarefa, que lhe fora ensinada desde pequeno, lhe dava. Enrolou o corpo desmembrado num saco de plástico e colocou-o dentro da sua mala, suficientemente grande para albergar o morto. Sentiu que aquele dia iria ser, finalmente, concretizado.
  Nunca lhe tocou à alma o sofrimento da família de Xico perante um familiar perdido, um corpo desmembrado dentro da sua mala. Seria só mais um, no meio de tantos outros anos que matara. Iria come-lo ao jantar, com o maior prazer e paz possível, sob a companhia da sua família disfuncional e sinistra.
  O telemóvel tocou. Atendeu:
  "Já temos o peru" - confirmou, com a alma fria mas contente por mais um jantar celebrado.


23 dezembro 2011

Bingo

Eu sou um nada.
É essa mísera condição que me dá
 a gloriosa possibilidade de fazer tudo.

22 dezembro 2011

Some dreams get real





Hoje entrei no elevador e cheirou a terra.
  À terra que percorríamos quando eramos pequenos nómadas por cidades vizinhas, e curvavamo-nos à Lua carregando sacos maiores que nós às costas ainda crianças. Tínhamos medo dos elevadores e os vizinhos adolescentes ainda nos intimidavam mais que hoje. A simpatia ainda reinava todas as noites e a solidariedade também, que a ignorância disfarçada de inocência o permitia. Cheirava-nos a casa de gente rica e de paz, um cheiro doce mas dos que lembra Paris no Verão ou a baixa lisboeta no Inverno, sonhávamos com uma igual porque a nossa não cabia para tal tribo e  os carros não se comparavam à nossa carrinha. Comíamos tarde, já depois de trabalharmos, já com as costas doridas, já com os dedos esmagados.
  Se quando velho me esquecer, não interessa.
  As marcas continuam aqui na coluna.

21 dezembro 2011

Céus e manias


Seria estúpidez confundir a tua sensibilidade infantil ao Sol com um piscar-de-olho-sedução. Não era a mesma coisa.
Não tirariamos fotos a fazer o pino ao lado dos castelos de areia que construímos, que até três pisos e garagem têm. Nunca iria aprender a tocar bateria sem ti. Ou pelo menos a concentrar-me para poder sorrir enquanto toco.  Ou bater o pé quando te oiço a tocar merdinhas de músicas vindas dos teus sonhos.O melhor é quando evocas uma música para fazer de banda sonora das nossas vidas, embalada em suspiros e sorrisos que nem sempre se vê porque as velas do teu quarto só iluminam uma parede e as maquilhagens que inventamos para podermos rir do que não somos tapam-nos o semblante.
Vemo-nos no céu, espelhado pela piscina da tua quinta depois de deixar cair o pequeno-almoço pelo veu de lembranças a fim de serem alimentadas.

19 dezembro 2011

Olá, bom dia


É essa a maravilhosa tragédia da arte:
ausência do vício e a presença da escolha.
O fazer telas em série durante meses e depois parar só porque apetece, 
só porque já estamos vazios de querer imaginar aleatóriamente,
só porque não sou obrigado a pintar.
É parar o destino durante 3 anos porque decidi ler Drumond ou porque falta-me acabar a decoração do quarto. Ou porque mudei de país e lá os textos vão ser só para embalar os meus pequenos.
Poder intervalar porque não sou um economista que necessita de estar sempre a par da moeda inexistente ou porque sofro bullying do meu patrão.
É, sobretudo, poder.

15 dezembro 2011

Golden Faith

Tortura o mundo. Mói-lhes o cerebelo, cospe-lhes nas cataratas e arranja uma cangalha para o passeio. Simplifica os nomes fortes, para poderem ser bem perceptíveis quando começarmos a gritá-los na rua. Cruza a perna depois de te sentares no banco verde com merda de pombo. Pede perdão aos que morreram por ti.  Sorri aos que te erguem a cruz do não acontecido, aos que te olham por pareceres tão extraterrestre. Diz-lhes que vais raptá-los para outra galáxia, onde gente dessa é servida como sushi. Vende as roupas, que são diários de escravidão inocente e fecha as portas aos dogmáticos. Faz voodoo com a sociedade e alimenta os de lá expulsos. Ama o próximo e os que já foram, os que usaram o corpo como um corpo, os que sabiam-se apenas de matéria, os que juraram nunca jurar-te um átomo só. Tira a verdade do surrealismo e aperta-o contra o lobo frontal. Massaja o Ajna e unge os ricos, a ver se gostam. Sacrifica a vontade, um holocausto à Glória.
E esconde-te, que o Melhor nunca vem aos olhos do povo.

13 dezembro 2011

Voila



A inspiração torna-se absoluta, 
a culpa fica matuta, 
e começa-se a escrever.

12 dezembro 2011

Pinga amor

Hoje qe seja simples. Não se acordem as lâmpadas, que as velas são mais maternais. 
E não tenhamos medo do infinito: tomemos banho no escuro e baptizemos o templo.
Fechemos então a casa-de-banho à chave, enchamos a banheira de água quente e deitemo-nos nela, abraçados pelo conforto.

08 dezembro 2011

Chocalop


Criaste todo o teu poder?
Se o viste, não o arrancaste. Se o obtiveste não o apalpaste. se o tocaste não o vestiste. O linho é fino e ténue, sem comparação. Escassa e sensível, ai não toca ao coração. Criaste esperança mas amarraste-a como um cão a comer pano. Geraste reflexão mas não deste reflexão ao teu interior amo. Tinha-los a todos : os belos, as bebidas e até os gados. Com esta fraqueza irresistível, resumiu-se a fortaleza a nada.
Resumiu-se? Pois nem sequer evoluiu.
Criaste todo o teu poder.