22 julho 2013

O Grande


Senta-te ao meu colo, ó Deus, e chora. Deixa-me pôr minhas mãos em tua nuca de menino e cantar-te uma canção de embalar. Esta noite eu vou ouvir-te chorar até adormeceres, para poder levar-te ao colo para a cama. Vais ver, acordarás de manhã sem saber como foste lá parar. Faz-me ouvir-te, campeão, a ti e às tuas histórias quando corrias no quintal porque ainda eras livre. Ensina-me que sorrias como te imagino a sorrir. Pois hoje choras por ser difícil ser Deus. 
Diabos são eles, teus filhos. Diabos são os que te pedem e choram a teu colo, mas que não vêem que esse tornou-se uma cascata que hoje, finalmente, jorra a água em abundância para o meu colo que te abriga. Foste um coleccionador. Que já não tem espaço para colocar tanto artefacto. És o santo a quem ninguém imagina esperar ouvir-te chorar a seu colo. Porque para eles és O Grande, que com tão elegante discurso e filosofia nunca saberá o que é sofrer.
E tu sofres, junto de mim que também julgava não teres parte fraca. De mim, que nunca vi o império da sabedoria desabar em pranto. De quem te segura hoje ao colo, que hoje descobre que a coragem é sustentada pelo medo.


14 julho 2013

O Penúltimo

Eu queria mostrar-te, pai. Como consigo sorrir bonito deitado na areia grossa da nossa praia onde eu também cresci. Que venci o medo das ondas que batem forte na areia e de gritar nos concertos para os artistas saberem que têm apoio. Onde venci o medo de não escrever bem e de dizer adeus. Queria mostrar-te que consigo safar-me sozinho, sem a tua vigia. Que consegui o que eu queria. E que consigo sentir-me realizado assim, porque a vida é uma festa.
Eu só queria que visses, que ficasses feliz por mim. E ao ver-te ali, sentado na relva cortada de um quintal solarengo qualquer, ver o teu sorriso feliz e sem mágoa do que fomos e do que aprendemos um do outro. E poder chegar a casa de calções de banho e toalha ao ombro e encontrar-te lá, de cerveja na mão sentado na relva a sorrir para mim, e poder pegar na tua cabeça e dar-te um beijo demorado na testa, sem constrangimentos, lembrando a mim próprio e até a ti que sem saber, eu também te protejo como tu me protegias.
Porque foste pai e irmão meu, eu vi e aprendi. Porque eu sou um homem visual e até dizem que eu sou curioso. Porque eu quero ver-te sorrir e, mais que isso, sentir que sorris.