31 janeiro 2011

A liberdade está à janela


Mãe, depois de tanto tempo a pôr-me bonita, depois de tantas manhãs consecutivas a maquilhar-me e a arranjar o meu cabelo e unhas para ser tudo bonito, para todos adorarem a relação que tenho comigo mesma, para me adorarem como uma representação social.. Olhei-me hoje no espelho e decidi pegar nas tuas agulhas de coser. Peguei lenta e delicadamente em cada uma (eram centenas) e espetei-as na face. Acabei com todo o império simbólico ou físico que tinha demorado meses a construir. Mas foi bom, tornar o inevitável mais aconchegado a nós e conceber. Rompi os dogmas todos da minha cara, mãe. Hoje sou feia, como as miudinhas com quem antes gozava. Sou mais feia que elas. Mas sabe-me bem, mãe. Agora as meninas insatisfeitas e invejosas já têm razão para falar. Torturei-me tanto, mãe, tanto...
Olha, eu prometo que hoje vou à rua e vou mostrar a minha cara a todos, está bem, mãe? Eu adoro-me assim, feia, como sempre tentei evitar sentir-me. Faz-me amar-me mais.
Sinto a liberdade multiplicada por três e chega-me tanto.
Sou um monstro...
E quero mais!

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