29 novembro 2010

Menos glorificante.



Os deuses são medo, essência.
Imaginas o que é sentires-te desprotegida? Não te sentires abstraída de todos os problemas e todas as causas acidentais, ou não, que o universo possa ter? Os deuses colocam-nos no colo e tratam-nos do essencial, protegendo-nos dos ventos fortes e de copos gigantes de água entornada. Fazem-nos sentir dentro de um bolso fundo cheio de algodão, em que nem tudo é bom, mas não deixa de ser maçio.
E eles andam pelos solos bravos, cortam os espinhos das árvores e matam os mosquitos: o calor chega ao bolso, mas os mosquitos não entram.
Os deuses são a responsabilidade, essência.
E o medo que tivémos ao saber que éramos heróis da vida real, avançando por escuros impossíveis de penetrar e não sabermos o fim de tudo aquilo, fez-nos evocar os deuses da fantasia: eles saberiam o caminho e, se fosse mau, estariam lá para a culpa ser deles.
Porque é difícil sermos heróis, e é por isso que eles existem. Eles protegem e enfrentam tudo: não têm quem lhes protega; enfrentam tudo porque dependem de tudo.





Nós somos humanos, temos medo de assumir responsabilidades do passado, de coisas que aconteceram antes de pensarmos em existir e, por isso, preferimos pensar que não é responsabilidade nossa.
Imaginas o cargo que é ser Deus, essência? Ser dono de tudo, sendo vítima de tudo e agindo sobre tudo e tudo agindo sobre ti? Uma mescla que não consegues definir mas preferes lutar e vencer, sabendo que não há um fim na batalha nem vencedores porque tu nunca ganhas?
Tu sabes, és a essência de tudo, já estás velha neste ramo.
E é muita responsabilidade. Nós somos humanos e somos cobardes. Como poderiamos nós, imortais para sempre, continuar este cargo divino? Sermos deuses e não ter medo de ter medo, responsabilizando-nos pelo que tudo o resto não é responsável...
Torturariamo-nos, essência. Teríamos toda a glória: os pássaros cantariam mais alto e no alto das árvores para anunciar às ervas dos camponeses a nossa presença. E as ondam iriam bater com mais força, saudando-nos com uma salva de palmas a nossa coragem.
Mas nós abdicámos de tudo isso, de ti, essência. Para não termos responsabilidades.
Porque é mais fácil sermos pequenos de alma.

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