30 abril 2012

Carta de amor

Nada na vida é justo. Não queiras viver confinado numa sala com um juíz, dois advogados e o teu adversário. Improvisamos, que é melhor. Vais ver que nem vais reparar, porque és e somos tão nada que morreremos sem  idealizar o que justo quer dizer.
Podemos ser pacman's, a sério. Podemos ser felizes para sempre, durante cinco minutos. Eu dou-te felicidade, se algum dia a tiver. Vais gostar.
Nem me peças para explicar o amor que sinto por ti. Eu não sei o que é amar. Tu não mo ensinaste porque não se ensina algo que não se sabe. Não consegues dar-me algo se não o tiveres. Nunca vais fazer sentir-me verdadeiramente livre, porque tu não vives na liberdade. Talvez concordes comigo no sexo. Eu gosto de cus dignos. Duros, queimados pelo sol e apertados. Usados pela vida. E pelos homens. Isso é um cu digno. Nunca gostei de virgens.
Alegra-te, vá. Isto é uma carta de amor. Talvez a verdade seja amor. Eu gostaria da verdade, se conseguisse imaginá-la. Gosto de saber que sou pequeno, que não sou nada e que posso imaginar ser tudo. Tudo, com todas as letras. Porque vai continuar a ser mentira. E eu vou continuar a viver nela, porque na verdade, nem tu, nem eu, sabemos o que é verdade.
Eu escolho a minha.

23 abril 2012

Coinless

Eles andavam de joelhos pela gravilha. Brincavam ao mundo, à macaca e as balizas eram feitas de pedregulhos do passeio calcetado. E já não eram crianças.
Na infância deles faltaram computadores e psp's, porque os pais ocupavam-nos demasiado em fazê-los saber o sabor de todos os frutos e como se plantavam os legumes lá na horta da avó. Foram ensinados e submetidos a brincadeiras com os cães do mundo, vadios, sujos de poeira. A poeira fez-lhes mais resistentes às alergias. Dormiram no chão duro e frio, que lhes endireitou as costas e era impulso para fazer amor adolescente. E andavam de joelhos pela areia fina da praia, porque era o único sítio macio para dormir durante o dia. E jogavam à bola porque a TV ainda era só um sonho.
Eles não tinham outra alternativa se não serem felizes.

18 abril 2012

Casaste contigo própria

Vais ser rainha de ti própria.
Tu não és, mas sabes que vais ser.
É difícil encontrar alguém assim. Uma mulher assim. Que não se deixe enganar por sorrisos branqueados e charmes ensaiados à noite no quarto. Nem por uma escrita bonita e poética. 
É difícil ser-se sustentável. E achar que eu, que até acho que me apaixono pouco, me apaixono muito. Porque tu não te apaixonas. Tu fintas a paixão por já saberes dançar com ela.
És a menina gigante das fotografias impressas em livros que só tu conheces, apesar das publicações poderem girar o mundo inteiro. És a senhora do destino do homem com quem ainda vais brincar só se te apetecer. 
Tu já casaste com quem é mais teu. Tu já brindaste o projecto que os teus caracóis têm escrito. Tu já fintaste a paixão por já saberes dançar com ela.

14 abril 2012

Principalmente, na cozinha

É tudo melhor se der para te despir: vai gerar mais tesão.
Vai dar mais tempo de antena se houver um cinto para desapertar ou as tuas calças para eu puxar enquanto te vejo as pernas do melhor ângulo possível. Eu apaixonei-me por ti por causa das tuas pernas, sabias?
Eu gosto de ver-te encolher a barriga enquanto fazes força nos abdominais só para me dares mais tesão enquanto eu inalo o suor da tua axila ao puxar-te a camisola.
Vai haver mais minutos no nosso filme porno se tiveres mais roupa.
Mas temos de andar pela casa nus. Temos de estar nus.

12 abril 2012

Colectânea Sagrada

Eu não posso desprezar os que sobrevalorizaram aquela obra que eu escrevi. Poderia ser da Bertrand, da Porto Editora ou outra merda qualquer. Sempre fui bom em Marketing e ainda era, ou sentia-me, um puto universitário e sempre fui muito esperto e desenrascado para lançar a cena por conta própria.
 Foi isso que me fez crescer. Fez-me ficar tão famoso como Deus... desculpem-me a ironia.
 Fazem isso com todos, tenho vários amigos que não gostam das interpretações dos leitores referentes ao que eles escrevem. E os leitores não vão entender o que eu escrevi. Nem eu entenderia, se alguma vez tivesse lido aquilo tudo que escrevi. Não tenho pachorra, a sério.
 Mas a verdade é que eu vinha de uma noite boemia, meio tocado das minis e com alguma frustração sexual por não haver gajas boas no bairro alto naquela noite. Eu só desabafei. Foram uns quantos livros que fiz para ali, e passei a noite inteira a escrever com as mãos a cheirarem a cerveja, mas foi um desabafo. E os pobres coitados levam-me aquilo como uma lei.
 Acho desnecessário essa tamanha importância exacerbada quanto a um simples livro. É um livro, meu. E eu nem o meu último nome escrevi lá. Mas agradeço, porque na verdade não posso fazer muito mais que isso quanto a esse assunto. Acho graça. A sério, acho, acho. Eles divertem-se com aquilo, quer dizer, acabou por ser o livro mais conhecido do mundo.
 A minha mãe chamava-me de convencido, quando aquilo começou a ser mundialmente conhecido e tal. Também tinha amigos que me chamavam player. Os tugas dizem que eu sou A Voz. Dá para rir um bocado com os nomes e categorias que me põem.
 Gostava de saber o que vão pensar quando eu morrer, ou o que vão escrever na minha lápide quando eu me cansar disto e decidir beber umas minis até cair. Isto é se souberem que eu morri. Mas olha, até Deus queira que não - desculpem-me lá a ironia, estou bem disposto hoje -, porque se não até isso vão levar a sério. Eu brinco com eles e eles levam-me a sério. Não sei se acho graça a isso todos os dias. E chego a rir disso com Asmodeu, quando vem à praia beber uns copos comigo.



09 abril 2012

High Neighborhood

Nós gastamos o pé pelas ruas calcetadas e cantamos as músicas popularuxas da nossa adolescência tão supervisionada pelo vinho tinto do barato. Abrimos a boca e deixamos o ego endireitar-nos a coluna marreca, só para sentirmos que conseguimos. Pegamos no copo com um outro jeito e só olhamos quando sabemos que ninguém está a ver. Ou até nem olhamos para ninguém, porque ficamos maiores se não olharmos para ninguém a não ser para os nossos.
Figuramos cantigas e risos, exageramos nos assobios e na alegria para provar, mais que ninguém, a nós mesmos, que somos felizes como quando nos deitávamos à frente da secundária depois das aulas. Sentiamo-nos os reis do chão quente em que nos deitávamos. E só o chão bastava. Não queríamos o mundo, para não ficarmos longe uns dos outros.
E os mais burros sonham connosco, na cama à noite antes de irem dormir, pensando que toda a nossa vida é assim. Que não é preciso vontade para ser alegre. Pensando que em casa, não somos apenas os meninos que atam os sapatos antes de sair.