26 junho 2012

Till life to us part


Tem passos bem silenciosos, a alma que habita a casa do andar 3º esquerdo. Sente-se o perfume antigo, forte, de homem do tipo que fumava cigarrilha e usava fato só para se achar. Ninguém lhe ouve os gritos, só algum espirro ou outro quando fica demasiado tempo no banho. Adora tomar banho. Ainda hoje senti o cheiro forte a champô no hall de entrada. Isto depois de ter sentido o cheiro a óleo dos rissóis que comeu hoje ao almoço. Fiquei a pensar se veio tomar banho para o hall de entrada. Na duas casas de banho aqui de casa, eu juro que não cheira a nada.
 Gosta de andar nu pela casa. Às vezes. Ou então sou eu que o imagino nu, a pavonear-se a mim. Olha-se ao espelho demasiadas vezes. Ninguém diria que não está vivo. É o morto mais vivo que eu conheço. Ele embebeda-se comigo no bairro alto. Ele bebe mais que eu.
Sinto aconchegar-se a mim em concha, quando vou para a cama. 

06 junho 2012

Sleeping paralysis

É estranho, a primeira vês que o pões no chão. Sentes o frio, fresco, a entrar-te por baixo. Mesmo que o faças todos os dias. O primeiro toque é o mais importante. Sentes o azulejo, a areia, a lama, o sujo a apoiar-te. Mas é carinhoso.
 Eu ando pela casa e corro na rua descalço para me sentir da terra, para me sentir do Mundo. Eu não fui feito de Homens. Eu fui feito de Terra, de bactérias pequenas que, vai-se saber, não encontram uma prima num dessas esfregas com o chão? Eu  acho que tem gente que se esquece de ser gente. Fintam o chão como quem finta a chuva. 
Eu ando o dia todo descalço em casa e às vezes ganho coragem para andar descalço na rua, sobre alguns olhares julgadores das pessoas que passam. E vou fazê-lo até a minha mãe morrer de tanto me avisar que vais ficar constipado!, no Inverno. Eu gosto de dormir na areia.
Talvez hoje durma no chão.

03 junho 2012

Lingus

Deixa-me que fale, para que te apaixones por mim. Deixa-me sorrir lenta e largamente para que te troque os sentidos. Mostrar-te os livros decorados, as inseguranças que tu consolas, os hábitos que talvez venhas a adquirir.
 Mostrar-te que sou teu não porque quero, mas porque estás comigo quando tenho de querer, ou não, algo. Deixa-me que fique do teu lado e partilhe contigo um sonho só. Confessar-te que a comida e cocarem-me as costas conquista-me. Pensar saber que não me conheces. A mim e aos outros que aqui escrevem.
 Deixa-me conhecer a tua cidade, para entrar no teu mundo.