28 março 2011
Boa noite
Hoje não quero dormir, os lençóis dançam-me no corpo e a cama entra num jogo de enche e desenche de ar, como as ondas se enchem de água e o o céu prolonga o mar.
25 março 2011
Bingo?
23 março 2011
21 março 2011
Especulações
20 março 2011
Dentro ou fora
As camadas são essênciais sociologicamente falando. É uma rotina que aprendemos desde cedo que consiste em pô-la em prática sempre que estamos do lado de fora da porta.
Parece-me aceitavel vestir camadas do outro lado da porta. Mas parece-me aceitavel o facto de chegar a casa, jantar, ler e dormir ainda com toda(s) a(s) personagem(s) em mim? Há quem tenha personagens permanentes, daquelas a tempo inteiro. E é tão mau ter pena da pessoa que veste uma personagem enganando-nos e enganando-se a todo o tempo. Mas é mais mau ainda eu não perceber que há pessoas e há personagens.
As pessoas vestem personagens. As personagens essencializam-se sendo personagens.
E seria tão mau se eu não compreendesse que uma pessoa pode ser realmente uma personagem, por simplesmente querer com todo o seu fervor sê-la. Por não se sentir bem como pessoa e preferir resumir-se à personagem pretendida.
É cobardia? Eu tomo-o como conforto, poder realmente ser o que queremos e largar a pessoa em nós que nos incomoda. Eu podia não compreender, podia dizer que tal pessoa é desorientada, inexperiente quanto à vida, indefinida, entre outras coisas.
Podia, se não compreendesse que não se trata de uma pessoa, mas sim de uma personagem.
19 março 2011
16 março 2011
Histórias vivas
As paredes de nossa casa eram cinzentas: a mãe queria-las assim para as paredes confundirem-se com as almas. Gostava de tudo homogénico. E nós, no quarto, pintávamos todos da mesma côr e camuflavamo-nos entre as paredes, as cortinas e os desejos.
Tinhamos o desejo de voar. Voar para dentro da casa, descobrir os escômbros que só os bichos-da-madeira conhecem e poder assumir: " Mãe, conhecemos realmente esta casa". Porque nada nos dava abrigo se não os sonhos de navegarmos dentro de cestos com bandeiras a serem sopradas por lábios-biquinho, de voarmos sobre o parapeito da janela e de nadarmos dentro de uma banheira que nos constipava se o tempo fosse demasiado.
E a mãe, na sala cinzenta, lia romances clássicos e bebia chá dos trópicos enquanto sua alma vaguiava pelas paredes.
Tinhamos o desejo de voar. Voar para dentro da casa, descobrir os escômbros que só os bichos-da-madeira conhecem e poder assumir: " Mãe, conhecemos realmente esta casa". Porque nada nos dava abrigo se não os sonhos de navegarmos dentro de cestos com bandeiras a serem sopradas por lábios-biquinho, de voarmos sobre o parapeito da janela e de nadarmos dentro de uma banheira que nos constipava se o tempo fosse demasiado.
E a mãe, na sala cinzenta, lia romances clássicos e bebia chá dos trópicos enquanto sua alma vaguiava pelas paredes.
13 março 2011
Água de Sal
Não me lembro de quem me dissera um dia que chorar num ombro amigo era bom. Certamente, e prova-se com a sua afirmação, porque essa pessoa não teria grande relevância quanto a personalidade.
Porque chorar num ombro amigo não é bom. Infelizmente, para encontrar um real amigo é preciso passar por vários maus amigos. E consequentemente, isso torna-nos, a todos, descartáveis. Culpa nossa.
É bom? Chorar num ombro que sabemos que pode já não estar a nosso lado amanhã? Saber que essa abertura, exposição e partilha íntima de nós com o outro pode ser sumariada a nada quando já não houver ombro para afagar lágrimas? Penso que não.
A minha mãe sempre me ensinou a chorar para mim. Na verdade, é um espetáculo cheio de emoção e de sentimento verdadeiro; para um público permanente: eu. Porque sei que, aconteca o que acontecer, eu vou estar sempre comigo próprio.
E nada mais me alegra que isso.
Grutas e Impérios
Tomávamos todos chás na mesa redonda, do século XVI, enfeitada com bordados detalhados. Sorriamos uns aos outros, sentados nas cadeiras em volta da mesa, emaranhados em mantas e cobertores que pareciam infinitos. Ouvia-se hits de jazz suave que pareciam ignorar a neve e a geada lá fora, tornando o mundo cinzento e frio através das paisagens que viamos pela janela onde galhos de árvores despidas eram banhadas em gelo e neve. Sentiamos toda essa influência invernal mesmo em casa.
Vim para fora.
Abri a porta e um taxi cumprimentou-me, com um cliente a ser levado ao comboio. A senhora das castanhas aquecia a voz ao chamar a clientela e as lojas com música alegravam os passeios. Os cães abandonados abanavam as caudas e ouvia-se serralheiros a transformar madeira. E nos cafés servia-se chás cujo vapor se misturava com o frio.
Vim ver o que aquece a cidade.
12 março 2011
Topas?
Grandes mamas, tinha a Dona Elísia.
Era bonita, andava sempre de saltos altos abertos à frente com a unha vermelha a saudar-nos com luxúria. Conhecia à letra o andar dos gatos, fumava com suportes para cigarros e tinha sempre o cabelo detalhadamente apanhado.
Era cheia de declives e colinas, arestas bem limadas e não precisava de diamantes para brilhar.
Diziam que voava à noite, vestindo um macacão preto de latex contrastando com os olhos verdes e o cabelo num rabo-de-cavalo que tentava cair aos saltos altos de decímetros de altura. E empunhava uma arma massiva em cada mão.
Gostava bastante dela, apesar de nunca ter descido à Terra.
10 março 2011
Letras agrestes
Lembraste da nossa aldeia?
Onde o trigo amarelo-seco contrastava com o azul do céu e com Apollo, completando o eterno clichê de uma paisagem rural?
Era onde se corria durante horas num deslize marítimo sobre a terra molhada, onde comiamos madeira em pó e sabia-nos tão bem o sabor daquela sabedoria milenar e natural. Onde os grilos só nos acompanhavam à noite, porque sabiamos que tinhamos medo de estar sozinhos e bebiamos ar fresco, que preenchia-nos tanto ao inspirá-lo que não bastava só os pulmões; o estômago é invejoso e também pedia.
Tirávamos água do poço e inventávamos histórias de terror, de uma terra tão santa quanto era o céu estrelado e tridimensional em que perdiamos o equilíbrio e o "eu" quando olhavamos para cima.
Estavamos abstraídos de um mundo que não era nosso que o nevoeiro escondia e que Apollo não quis iluminar porque Hades construia impérios de cimento cinzento e sem côr.
09 março 2011
08 março 2011
Apollo
-Vamos todos juntos?
-Não, vou só eu. Assim somos mais.
A tua grandeza de saber ser não seria bem entendida se não soubesse que não existe qualquer alter ego dentro ou fora de ti. Eramos todos núvens que tu iluminavas, e nós absorviamos-te diariamente. Os teus braços chegavam a nós todos os dias, beijavas-nos com lábios quentes nossa nuca e nós iamos, brincando numa caminhada infinita pelo céu , dividindo-nos em mil nómadas e tomando formas abstractas.
No dia em que alguem teria de partir, daríamos toda a vida e abdicaríamos de toda a glória por ti. Mas nós levariamo-nos. Tu sabias que, indo tu, levarias todos contigo. Sempre nos tiveste em conta no teu coração redondo.
07 março 2011
Pinga-amor
Monólogos comparrtilhados
Retratos abstractos confundem-nos a alma. Faces ocultas confundem-nos o coração. E as maçãs do rosto claras engrandecem-nos a alma.
O que fazer?
Vivermos sem corpos... e apenas com a autenticidade da esperança de uma mente iluminada, sem refeição pontual ou qualquer vinculação interpessoal.
Mas eu gosto de olhar para ti, de te ver sorrir.
Mas quando a alma mente é complicado. A solidariedade não vem com um sorriso, vem com compaixão. Mas não se espere compaixão. Há que cria-la.
Mas não temos de agir por solidariedade. Isso é muito artificial.
Nem digo eu o contrário. Mas, e se agirmos por vontade propria, não acabaram por nos crucificar?
Pois que o tentem, seremos capaz de enfrentá-los.
Sem tirar, nem pôr.
05 março 2011
Waiting for the future
Sedas compostas, são os peitos famintos de farturas. Matérias-primas brutas numa fila de espera para serem industrializadas e terem o seu destino, emparaizado de satisfação. Mas o cansaço do labor árduo satistaz-nos, porque há razão para cansar. Desgastamos a pele, o fôlego apaga-se e dividimo-nos em vinte. Fazemos feridas sem crosta, onde não há onde se trate nem como se coce.
Para continuarmos à espera que a apoteose desca até nós.
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