02 agosto 2011

Quadros futuros em exposição






A entrada cumprimenta-me pela 2ª vez numa tarde de Primavera sonhada numa noite de Verão. Recheada de um pátio coberto de granito branco onde plantas secas se perdem diante da casa abandonada. Entro porque estavam todos os meninos lá, e divirto-me com o menino loiro, cabelo à tigela, fardado, do meu colégio, nos lavatórios sujos e abandonados onde a terra descansa. A vida é muita e os meninos saiem dos urinóis e desistem das brincadeiras com a água para irem brincar ao Sol. Eu encosto-me à parede atrás de mim, continuando a brincar com a torneira dos lavatórios, onde reina o castanho da terra na água que lá sai. Os pés, Satan. Cheira-me a pés sujos e oiço cortarem unhas. O monstro respira e solta dois curtos gemidos de dor ao mecher nos pés atrás de mim, do outro lado da parede. Não o vejo, estou de costas. Mas sei como é alto e gordo, e sei exactamente como está sentado no chão daquele quarto escuro apenas com palha e sem qualquer luz, tirando o pouco contraste com que a cara gorda fica através da luz que assalta a divisão através da telha que caiu há anos que já ninguém se lembra. E está virado para mim. Ele respira. A água corre, a torneira chia. Juro que se me concentrar, vejo-o, com a mente, atrás de mim, por trás da parede. Olho em despedida para os urinóis abandonados e corro. Corro e passo pelas plantas dos granitos e descubro já no portão inexistente que já todos foram embora. Estou sozinho. Mas tenho de fugir, hei de saber o caminho. Olho para a casa com a porta aberta, intacta, vazia, imóvel. Se visualizar, consigo vê-lo sentado lá dentro na divisão fechada, à direita da porta verde escura da casa.
Não fechei a torneira.
A água corre mais rápido que a vida. Ele está lá dentro. Hesito, hesito e mais uma vez. Corro assim que dou o primeiro passo de volta à casa. Chego, vejo a torneira a vomitar a água para o lavatório verde coberto de terra. Concentro-me e juro que o sinto do outro lado da parede atrás de mim. Mas já de pé, com faca em punho. Ele não me vê, mas sabe que estou ali, pequeno, e olha-me porque me vê na sua concentração. Espera por algo para aparecer da porta verde escura encostada atrás de mim que divide os nossos dois mundos de brincadeira e chacina. Fecho a torneira e, como posso, tento puxar a porta da casa para que se feche, enquanto corro para fora. Atravesso de novo o pátio velho de mármore. Olho para trás e ele não veio atrás de mim. Chego ao portão inexistente, olho de novo para a casa e está intacta. A porta não chegou a fechar.
A torneira está fechada.

3 comentários:

  1. belo texto, continua a lutar pelo que queres, nunca desistas

    ResponderEliminar
  2. Muito bom este teu texto. Consegui quase sentir o cheiro e ver o que descreveste... e poucas pessoas o conseguem fazer com perícia. :) um beijo *

    ResponderEliminar