Estavas bela, hoje. Não que sejas uma mulher bonita, mas via-se a qualquer intensidade da luz do dia que tinhas pensado meticulosamente no que irias vestir, hoje de manhã, antes de saíres de casa. Subiste, a pé, a cidade inteira só para me ver. A mim ou à minha fotografia. Foste lenta, demorada, num sofrimento propositado por todos os dias que não tiveste esse ramo de flores na mão.
Nunca me ofereceste um ramo de flores. Talvez nem tenhas sequer pensado, inocentemente, que eu gostasse de flores. Eu admirava-as, sabia as que eram a tua cara e as da mãe. Sabia qual era o cheiro que correspondia a qualquer uma de vocês e adivinhava sempre as que vocês não iriam gostar. Mas colhia-las, sempre que ia ao campo ver os cavalos, que tinham nomes dados por mim, e brincar sem ter que ver o mundo edificado. Eu gostava de flores para dar-tas. Eu gostava delas porque sabia que irias gostar de recebê-las quando eu chegasse a casa, das minhas brincadeiras de miúdo, e irias guardá-las num copo velho com água. Às vezes, num vazo pequeno. Suponho que isso acontecia quando as apanhava em grandes quantidades ou as tuas preferidas, que eu nunca cheguei a perguntar-te.
Hoje vieste tu dar-me flores. À minha nova casa, como de tantos outros. Trouxeste as tuas preferidas, as que eu arrancava mais vezes da terra para te entregar. Nunca me trouxeste flores enquanto estive vivo. Nunca me disseste que me amavas. E não preciso que mo digas como o fazes hoje, preciso apenas que o mostres, como sempre fizeste quando era pequeno. Quando era alguém. Mas eu prometo que esta nova casa vai estar cheia de flores nas janelas e nos canteiros, quando vieres aqui comigo morar.