Imagina uma sala Billie Holiday. Uma vida dentro dessa sala. Não dentro físicamente, mas que a vida dessa sala fosse Billie Holiday. Tocada num rádio imparável, velho mas sem pó, que sustentava a vida imensa da sala fracamente iluminada pelo Sol já quase posto, marcado em forma de quadrado no chão pela janela de cortinas recolhidas.
Foi aí que eu e tu nos casámos. Foi aí que descobrimos o tom quente do cadeirão iluminado pelo Sol, velho, com cheiro a charuto que repousa ainda quase completo, no cinzeiro. O fumo que dança presta homenagem ao que ainda não vivemos e tudo o resto é escuro na sala. Reconforta o negro, ao som da voz daquela preta mágica e profeta que nos casou. O negro tem o Tom e o Jerry que correm pela casa, para nos lembrarem que já fomos crianças mas que ainda não somos velhos. O negro da sala não deixa ver o papel de parede velho e fora de moda que assinou os papéis do nosso casamento.
E essa vida senta-se no cadeirão de chapéu, porque tem de condizer com o charuto, e tudo o que faz é olhar para o Sol já quase posto. Durante vidas, criadas por Billie. Felicitadas pelo negro do quarto que abraça calorosamente meu corpo, os sonhos. Os sorrisos lá passados, os aniversários e as noites de paixão. Noutras vidas. Hoje é dia de Verão e ouve-se o espírito da preta na sala escura cujo Sol se despede. E enquanto houver Sol, a vida desta sala será sempre Billie Holiday.
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