Por baixo de uma árvore, a menina que levava as maçãs à avó parou e perguntou-me porque é que eu era um monstro.
Eu, a salivar sangue da boca, espantei-me com a pergunta e, simplesmente, chorei. Chorei, chorei e chorei. Chorei porque os monstros são uns tristes, logo tenho o direito à tristeza. Chorei tanto que ela me afagou no seu colo; aquela menina bondoza.
Perguntei-lhe: Porquê mau?
Porque não te conhecia, disse ela. Porque as camadas efémeras da ignorância cobriam-me as verdades suspiradas sobre ti. Vi-te carrancudo durante dias, avarento com tudo e sempre cauteloso à noite. Assutavas-nos, a mim e às outras crianças, e nós chorávamos, com medo de ti, ao colo de nossos pais, dizendo que eras um monstro horrível e do Inferno. O que nós não sabíamos é que te viamos há dias, e que os dias não mostravam os anos anteriores onde tinhas realmente conhecido o Inferno, tendo sido tão queimado que voltaste cheio de réstias e marcas dele. Tuas cordas vocais queimadas e horrorosas nunca interpretámos: assustavam-nos porque não sabiamos que pedias um socorro à tua maneira. Não sei, não faço a mais pequena ideia se pedias para brincar connosco, mas nós não percebiamos e fugiamos de ti, sem perceber que, mais uma vez, o Bem recusara-te e fugira de ti. Os filmes da Disney ensinaram-me que os monstros tinham um passado cruel e, que com beijos de amor das princesas, eles voltavam a ser humanos.
Perguntei-lhe então se haviam monstros na Terra.
Não sabia bem, disse ela. Que a Terra era um ponto de encontro dentro de uma salada de transformações, sorteadas ao número das estrelas do Cosmos. Nunca vi um monstro como tu chorar. Talvez porque nunca te conheci, apesar de te ter visto durante tantos dias. Mas viver no vosso mundo é uma aventura gelada que vos petrifica e imobiliza, e até que todos nós ganhemos fôlego e coragem para cobrir-vos em conjunto com calor humano é um desafio desgastante também. Quando fôr embora, vais continuar a aparentar a monstridão de sempre, porque te vejo superficialmente. Porque não vou sentir e vou esquecer as chagas que senti hoje.
Até amanhã, disse-me.
E eu disse-lhe que os monstros não choram.