18 outubro 2011

Contabilista do mundo


Não me escrevas sobre amor. É muito pesado, muito luto, muito drama. Eu estou vivo, grande porra. Deixa-me as cartas cor de rosa para quando estiver encaixado - que já não vejo nem sinto. Vives a vida onde só dois importam, transformas um mamífero no teu mundo e é assim? Não, não gosto dos romances de Shakespeare. Fala-me do ar fresco que te atravessa as tripas ao passares aquela estrada de Oeiras rodeada de eucaliptos, da música que te faz escrever e dos cabelos que balanças nas discotecas. Do teu cão que te ultrapassa sempre que corres com ele, uma fuga transformada em corrida. Das tuas ideias para reciclar, o que desenhaste ontem à noite e do poema que vais emoldurar na parede do teu quarto. Do vermelho que queres pôr no teu cabelo e dos teus sonhos matinais, que são os melhores. Alucina.
Eu não te escrevo sobre amor. Nunca. Aqui, não.  De paixão passageira, no máximo. Sexo canibal, drogas espíritas. O submundo da alegria e das colheres presas no tecto do armário. Às vezes nem escrevo, só falo. E tu ouves e vens aqui escrever por mim. Posso falar-te de loucuras também, se não te importares. Da realização do Cosmos, ou interpretar-te os filósofos da tua cabeça. Cantar-te músicas que dêem para dançar sem técnica e sorrir-te para me retratares. 
Se souberes organizar só um bocadinho a tua língua, juntas o "te" à palavra que os anjos tanto gostam e afastas a primeira letra do resto... Mas não o digas alto, como não mo escreves. Que as palavras valem ouro, e essa vale-te logo metade do fim da vida.

8 comentários:

  1. o amor não me inspira tanto quanto a possibilidade dele acontecer.

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  2. Boa discrição que fazes. Os detalhes algo irónicos tiram a carga pesada ao texto. Descomprime, de certa forma.

    Obrigado pela visita. ^^

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  3. Herético: há uma musa inspirador ou é escrita criativa (se me permites a pergunta)?

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. esta é sem dúvida uma bela carta de "amor"...sem o dizer, porque o sente...

    peço desculpa pela invasão, mas tinha mesmo que deixar um bem-haja por teres escrito este texto.

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  6. A palavra é divina mas serve para ser usada. Não a digo por não ter quem a ouça mas se tivesse ia perder-lhe o sentido de tanto a repetir.
    Bom texto... tem um "quê" de depressivo que aprecio.

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  7. sinto que se escrever algo a seguir a este texto tudo vai parecer demasiado descomplexado e fora de contexto. apraz-me saber que ainda se escreve assim e o tesão mental que isso cria.

    xi*

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