22 janeiro 2012

Acção



Nós não tínhamos televisão em casa. Não havia dinheiro para tal luxo. E a minha mãe não deixava, dizia que a televisão roubava-nos o dinheiro para o caldo de romãs que juntava no bife que o peru que tínhamos no quintal iria dar. 
 Então eu chegava da escola e todos os dias a encontrava na cozinha, de olhos cerrados quando não estavam fechados, a cantar uma música soul ou jazz. Uma diferente, todos os dias. Ou dançava um charleston enquanto cozinhava o lombo de porco com alecrim e passas. Fazia um drama ou outro para matar saudades dos seus tempos juvenis de teatro, quando lhe encontrava a chorar enquanto cortava as cebolas na mesa de madeira. E ainda quando não estou, o meu pai chega a casa sabendo que metade da roupa dela está já no chão. 
 A minha mãe matou os tempos mortos e silenciosos a ensinar-me a cantar as músicas do Ruy Mingas porque às vezes Paulo de Carvalho já fartava. Contou-me das histórias lá da banda, do rei do gado e da menina que tinha nascido no paraíso e tinha criados para lhe dar banho. Do "mundo ser nosso" e de nada ser de ninguém. Levou-me até África sem sairmos da cozinha e ensinou-me o cheiro de todos os legumes que os que vêem televisão não cheiram. Mostrou-me que ler com o cheiro do bacalhau com natas caseiro a sair do forno é melhor do que ao ouvir música e educou-me a pegar correctamente no copo de vinho, porque bebia sempre um enquanto cozinhava. 
 Sorria ao sonhar, enquanto cozinhava.

7 comentários:

  1. não sei ser tão pragmática. as emoções têm demasiado impacto para que assim seja.

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  2. A televisão rouba sonhos e põem-nos outros cá dentro que por vezes não passam de ilusões, de algodão doce incapaz de ser plantado para nos alimentar de alegria a toda a hora.
    Bem melhor do que assistir aos programas de culinária da televisão, é aprender a viver e a cozinhar com os ensinamentos de tua mãe.

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  3. Nice BLOG!
    I'm waiting for you on my blog!

    Xoxo

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  4. Que bonito texto :) as memórias fazem nos sempre sonhar !

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