28 fevereiro 2012

Shimbalaiê


O problema não é tu não saberes mudar. Porque mudas.
Mas não basta virares o teu mundo de pernas para o ar, toda a gente faz isso todos os dias. 
Tens de aprender a andar sobre o tecto.


27 fevereiro 2012

In vino, veritas

Não pense que eu escrevo do escuro porque quero morrer. Ou porque quero que a morte me leve. Eu adoro viver. Eu quero, sim, levar a morte para ela cantar para mim 'Deixa a vida me levar, vida leva eu.'
Porque o preto sabia o que dizia e o que cantava e eu estou de saco cheio para quem não achar que aquelas duas lésbicas não fazem amor todos os dias numa cama bem abaixo do nosso chão.
Eu queria só pegar a morte e enganar ela,  ou então viver morto a vida toda para quando morresse, ir vivo.

21 fevereiro 2012

Poesia


Eu nasci assim. Só ainda não tinha percebido o meu ADN. Quem dera até nunca perceber, para poder ser tudo enquanto não souber o que sou. Falta-me o faltar-me alguém. O meu espelho sorriu muitas vezes em frente de mim para eu ficar cheio do que via. Era tudo uma brincadeira e nós vamos brincar até eu cansar. Se não quiser, então se foda. Meu espelho só cabe para um, nos dias úteis. 
E eu vou morrer para te esperar a morte também, para poder voltar em paz. Vou fingir que não soube quem era o destino quando ele próprio dormiu nu comigo e vou fazer com que teus desejos sejam realizados como em um filme. Vou embora com a morte para matar-te a alma. 
E nem fale de coerência porque eu acabei de gozar três vezes seguidas bem em cima dela. Só porque eu senti algo que já não existe não quer dizer que eu não possa ficar deitado no capim fresco e olhar o céu até me perder. Porque eu não quero me encontrar. Eu fujo de todo o mundo que tenta fazer com que eu me encontre. Eu vi o demónio, no espelho escuro, dentro de mim e dei graças ao meu deus que toda a vez que eu me ajoelhasse, o riso do Diabo viesse até a mim para me santificar. Eu jurei que iria ser o podre e o defecado. Eu roguei praga para todos os santos e até para os aspirantes e fiquei no capim verde a olhar o céu. Pedi só um vinho e licor para poder lembrar da minha irmã satânica e fugi do mundo. Eu vou adorar tudo o que você não entender e não quiser porque no fim, você e eu vamos morrer e esse jogo de inteligência irá para o fundo do saco grande de um caralho. 
Então, se quiser ficar deitado/a no capim verde se perdendo do mundo enquanto olha as estrelas, faça o favor. Se não, foda-se.

20 fevereiro 2012

Panthera leo


Tínhamos a pança cheia de vida. Os estômagos dilatados pelos risos boémios que passam rápido. Tínhamos os bigodes já contados porque a erva nos limpava a pele. Fugiram-nos os hábitos, as mantas e os peitos incharam-se de hélio, que era para ver se subíamos também.Os pelos tornaram-se normais, porque o normal até já fica mais para o aconchego. E até dá mais tesão.
Roubámos alegria aos da cidade e fugimos dos sonhos para torná-los verdade.
Tornámo-nos leões que sorriem em vez de rugir.

05 fevereiro 2012

Escadas


O menino do rio vivia com os pés nos chinelos gastos pela areia fina. Cantava músicas que ninguém conhecia, mas eram bem compostas e tinham todas um porquê de alucinação. Vibrava com a água-de-coco de todos os dias e sabia dizer-te porque é que um terramoto é uma das coisas mais belas do mundo. Tinha vários cães: os vadios lá da rua, cheios de carraças e com um cheiro a sal do mar com que ficavam depois de levá-los para a água morna de Janeiro. Sonhava com os cantores de voz quente que atuavam à sua frente em bares de luzes e empregados educadamente descontraídos e gostava de filmar o Sol para tentar guarda-lo dentro da máquina fotográfica.
 O menino do rio do primeiro mês arrastava os S's, meio aportuguesados e de uma língua preguiçosa e queimada. Para ele, Deus era a fogueira que iluminava a sua viola ou o Katrina, que tanta gente odiou. O diabo eram as buzinas dos carros e o vício dos seus primos mais novos que viciavam nos seus computadores.
 O menino do rio sabia que não era ninguém. Tinha algum desejo de ser alguém nem que fosse por uns dias, só para variar a sensação. Mas ser alguém podia ser muita responsabilidade para ele e preferia continuar a ouvir nos bares do costume os cantores que seriam conhecidos daqui a uns anos. As caipirinhas eram o seu facebook para conhecer novas pessoas. Por enquanto, continuaria de chinelos na cidade aguada do primeiro mês do ano, acariciando os cães vadios que também eram seus por serem do mundo.