21 maio 2012

Quanto levas?

Um jantar. Nunca me julgues por me prostituir aí pelas casas dos outros, porque eu nem sempre cobro barato. Quando tu, escolhes minuciosamente as oportunidades, gastas dinheiro com as roupas e noites a ensaiar posturas e entoações no quarto, esperas aparecer O cliente, fazes-te difícil, brincas um pouco com a situação porque sabes qual vai ser o fim e até porque se demorares mais consigas mais uns trocos... E vem finalmente O jantar. O primeiro, ele com perfumes, tu com outros três no pescoço. Isto para esconderem o que todos nós cheiramos nas nossas entranhas: a podre.
Então vocês os dois - ou três, é à escolha - jantam, sorriem, falam, mostram que sabem dar gargalhadas estranhas e questionam-se. Vão beber café. Porque, porra, o jantar passou tão rápido.
E fodem. Dás a melhor foda com o teu cliente. Vendeste-te por um jantar.

E ainda tiveste o prejuízo do custo das roupas, da maquilhagem que ninguém pode saber, das noites pouco dormidas porque treinavas ao espelho. Podes também cobrar a atenção. Porque, afinal, tu és social. Tens um facebook, um blog, um twitter e ainda um instagram. Vá lá, e os copos ali em cascais ajudam a teres Nome e Postura. Porque basta só ter a postura. Então se conseguires fingi-la sem a teres, tens o jogo ganho. Mas falta-te o tal capricho teu, a atenção de alguém que tu categorizes especial. Alguém que tu, sub-conscientemente, tornes um deus. E esse cliente só precisa de dizer-te que sabe que tu existes. De dizer Bom dia logo de manhã, como diz a tantas outras pessoas no trabalho. Que diz que só pensa em ti e que vai ser para sempre, porque o coitado ainda não percebeu que vai morrer depois de uns anos de começar a ficar empelado e quinado dos miolos.

Podes até cobrar-lhe um casamento. Uma vida perfeita, um marido digno e estabilidade familiar e financeira. Pode dar-te o mundo. É bom quando nos dão o mundo. Ou que seja astronauta...

Começa a cobrar-lhes a alma. Vai-te saber mais justo. E não tenhas medo, que eles constroem o que tu roubaste em questão de meses ou anos, para os fraquinhos. Dás-lhes um chá, sei lá... Aquilo passa. Nunca vi ninguém a morrer de amor, a não ser os que já estavam mortos antes de amar. Tira-lhes a eles próprios.  A pouca alma que lhes resta. Aqueles trocos de energia que eles foram juntando, pouco a pouco, para serem quem um dia queriam ser. Tu é que escolhes: cobras-lhes uma vida inteira de casamento ou só o sexo.

Mas tu - sim, tu - devias ter vergonha ao dizeres que não és uma grande puta.


3 comentários:

  1. Acto de sobreviver - Aquilo que subsiste após um desaparecimento, uma perda.

    Viver sem nada é que não. Quero tudo ;)

    Mas a prostituição nem sempre tem de incluir sexo.
    Excitar alguém com as palavras certas, com um olhar que prenda e com a postura correcta, aí sim é saber prostituir-se. E no meio de tudo isso não compramos nós as roupas que usamos, mas compram-nas eles. Sem nunca prometer-mos nada em troca.

    Mas quando até é interessante e comestível, porque não?

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  2. grande jogo de palavras, continuo a gostar

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  3. ADOREI! Tou um bocado chocado mas adorei!

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