23 julho 2012

Farrusco

O menino da sombra maior que ele voltou a ser quem era naquele dia em que os padrinhos voltaram. Ele voltou a comer a salada bastante avinagrada que nunca gostara e ouviu na sua cabeça músicas que ouvira naquela época. Foi assim que se sentiu, um menino de época.
 Sentiu-se a rir sem precisar de mover a boca e quando olhava para os padrinhos, parecia que ainda os olhava de baixo, tamanha a pequenez que só hoje notava ter quando criança. Cheirou o familiar mofo dos velhos que visitava com a madrinha, os banhos ultra rápidos para poupar água e quase fez xixi na cama como fazia todas as noites. Sentiu-se sujo, com pó e joelhos feridos pelas correrias, as mãos mordidas por sempre ter mexido nos cães sem autorização e os olhos vermelhos e cansados da piscina do Meco.
 O menino da sombra maiore que ele hoje em dia só andava na rua ao nascer e ao pôr do sol. Por isso é que era conhecido assim. A sombra acompanhava-lhe todas as manhãs e todas as tardes ao expor-se ao mundo. E era bem grande, fazia as sombras dos outros terem medo da sua. E o menino da sombra maior que ele voltou 12 anos atrás com a sombra, onde tanto um como o outro ficaram pequenos, numa questão de um só dia. 

2 comentários:

  1. Texto fantastico! e nada melhor para acompanhar o texto do que essas fotografias fabulosas do Jordan Coulter com Bryan Huynh :D ADOREI!

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  2. lindo, lindo, lindo texto. eu me vi ha 5 anos atras, quando depois de 9 anos revi meus tios mais amados. me senti de novo criança.

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