04 setembro 2011

Cartas ao coração III


Menino ouro, comprimido em papéis
feitos de academias circenses e florestas racionais.
Menino rico, de unhas limadas e polidas
mimado por papel descartável e ensinado por militares de guerras frias.

Não podes pensar que é assim. Ao menos durante o dia. Tens de ter confiança no que ouves, na palavra que te é ensinada. Porque ao fim ao cabo, tu és um astronauta. Exploras um universo cujo não sabes quanto medir, quanto ouvir e quanto saber de ti o que tu queres saber dele. É como entrares num quarto escuro e falares com um estranho durante horas e continuares a não saber nada dele. Mas ele sabe quem tu és: a luz que incidia em ti quando entraste por aquela porta foi o truque de magia. Foi o suficiente para te ver por meros segundos, que podem relativamente durar anos.
O teu mundo ainda é de cama, com canecas coloridas de onde o vapor do leite quente sai, mantas que dormem aconchegadas ao teu corpo cheiroso de inocência, candeeiros de mesinha de cabeceira que fazem relevo a tudo o que te rodeia e de onde vais buscar os monstros de que tens medo e com livros ilustrados que ainda não sabes ler. Ainda resides no sonho, considerado perfeito aos sábados e domingos, porque os adultos por vezes são uma grande merda de chatos e tu não percebes a deles. E juras que quando fores grande, não vais ser como eles. E esqueces-te que quando fores grande, a infância é menosprezada e as promessas esquecidas.
Eu perdoo-te a ignorância, a que chamo por ética inocência. Porque os teus dedos são arredondados para simpatizarem com as bochechas rechonchudas que seguram os caracóis loiros quando dormes enrolado na manta verde sobre o lago de transparência que o mundo é, perdoo-te. Desde que sorrias, para me lembrares de que o meu sonho também é feito de ti.

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