14 julho 2013

O Penúltimo

Eu queria mostrar-te, pai. Como consigo sorrir bonito deitado na areia grossa da nossa praia onde eu também cresci. Que venci o medo das ondas que batem forte na areia e de gritar nos concertos para os artistas saberem que têm apoio. Onde venci o medo de não escrever bem e de dizer adeus. Queria mostrar-te que consigo safar-me sozinho, sem a tua vigia. Que consegui o que eu queria. E que consigo sentir-me realizado assim, porque a vida é uma festa.
Eu só queria que visses, que ficasses feliz por mim. E ao ver-te ali, sentado na relva cortada de um quintal solarengo qualquer, ver o teu sorriso feliz e sem mágoa do que fomos e do que aprendemos um do outro. E poder chegar a casa de calções de banho e toalha ao ombro e encontrar-te lá, de cerveja na mão sentado na relva a sorrir para mim, e poder pegar na tua cabeça e dar-te um beijo demorado na testa, sem constrangimentos, lembrando a mim próprio e até a ti que sem saber, eu também te protejo como tu me protegias.
Porque foste pai e irmão meu, eu vi e aprendi. Porque eu sou um homem visual e até dizem que eu sou curioso. Porque eu quero ver-te sorrir e, mais que isso, sentir que sorris.

9 comentários:

  1. Poesia feita prosa.
    Belo.
    Gostei muito.
    Desculpa o anonimato - mas é o meu estado atual.
    Se achares que não deves publicar, não publiques.
    Um abraço.

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  2. a beleza singela do texto é tocante.
    mas que queres dizer com o texto? passou-se algo com o teu pai? há sempre algo de biográfico no que se escreve e eu sinto uma certa tristeza no texto...

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    1. João, este texto é bem feliz. Acredita. Acho que sou eu que não sei exprimir bem o que sinto quando escrevo, as pessoas acham a maioria dos meus textos muito tristes quando eu, por outro lado, imagino quase fábulas quando as escrevo; mas sentia-me no paraíso na altura em que escrevi o texto e o meu pai está perfeito de saúde.
      Abraço :)

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  3. Eu acho os teus textos sempre fantásticos e às vezes fico mesmo extasiado ao lê-los de tão vivos que eles são. Este parecia-me triste, uma espécie de elegia, mas folgo em saber que está tudo bem com o teu pai :) E ele há-de ter muito orgulho em ti. És incrível!
    Abraço :D

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  4. Não tem motivo nenhum pra achar que não escreve bem.

    Que delícia, que tocante!

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