29 dezembro 2010
Ampulheta
O equilíbrio é fundamental para a sobrevivência.
É o que sustenta o pico da alma, sendo a base para o nosso corpo e o alicerce da nossa razão. E, sobretudo, é a origem do cepticismo.
O extremo é concretamente descartável: uma vez consumindo o extremo, não reparamos que este processo implica uma relação imbiótica, consumindo-nos também e tornando-nos dependentes, ambiciosos e entregues a tal excesso. São-nos consumidas então as energias e desmaia-nos o espírito.
O intermédio é, por sua vez, trivial. Visto milhares de vezes, em milhares de angulos, por milhares de sentidos, torna-se um quotidiano no qual não desejamos viver mais. Morremos dentro de nós, sucumbindo orações para a evolução.
Não é, então, de um meio-termo que falo.
É de equilibrio: um conceito muito mais profundo e objectivo que uma balança regulada. Um conceito que funciona como um polvo, estando a essência, mãe e cordenadora de tudo, na cabeça do polvo; e, por seguinte, os oito tentáculos do mesmo tamanho, onde residem todas as vertentes, onde reside o equilíbrio, sempre dependente da cabeça do sistema.
Assim, o equilíbrio é só atingido quando descoberta a sua acompanhante, a essência. Estes oito tentáculos devem também ser activos, usando as suas ventosas a fim de alimentarem-se do exterior mundano: o exterior é um dos caminhos para alimentar-se o íntimo. E é também só com as ventosas buscando ar de que se precisa, que se filtra tudo o que nos rodeia.
26 dezembro 2010
As luzes não se apagam
É aí que eu me perco, na intimidade dos lençóis
Quadrados, redondos, de seda, todos voam
com o ar fresco-quente dos sonhos.
É tão bom viagar sem ter de sair do sítio.
De manhã sinto falta dela,
cheirosa almofada que me canta as ondas do mar.
E somos aviões de papel, dentro de um emaranhado e
meninos à solta numa gruta de lençóis.
Lanternas acesas, pupilas dilatadas, excitação alargada.
Dormir? Só quando as luzes se apagarem...
24 dezembro 2010
Carácteres ferrenhos
Eu sou meio esquesito.
Perante as situações más e confusas, enfrento-as discretamente: não grito, não me esperneio nem luto. Recolho-me na minha concha e o mundo que se resolva.
Há-de ele resolver-se?
Não sei, não me interessa. Uma posição completamente passiva quanto a confrontações.
Abana-se a cabeça, concorda-se com o errado, rendemo-nos a tudo. E a nós próprios.
Deixai fluir a natureza.
E sofre-se, pune-se assim por toda a vida por nem sequer se ter suspirado em protesto. Pois, para quê garantir a minha única felicidade se posso gerar a felicidade de muitos outros simultâneamente? É melhor assim, é melhor assim.
Há que querer o bem dos outros. Sabe-lhes bem.
Injustiças acumulam-se cá dentro, sem defesas por minha parte, homem submisso quanto à razão alheia. Sacrifícios são apenas um contacto com o nosso interior.
São?
Depois explode-se.
Explode-se o mundo num grito, parte-se a casa com um só toque e as veias do pescoço ficam da largura do céu. Jorra-se fluídos vermelhos na cara das pessoas; eu com a raiva, elas com a revolta do sangue na cara. Feitiços mentais, voodoos e macumbas.
Enfiar três dedos na traqueia, arrancar corações, trincá-los e fazê-los de pastilha elástica. Com os donos vivos, assistindo o espetáculo da vida deles.
Recompensar o que nos foi dado.
Pois quando se recebe é preciso dar, não é verdade?
Agora, ainda lhes sabe bem?
13 dezembro 2010
Cartas ao Coração
Vieste sem querer, batendo à janela numa manhã branca e fria. Disseste-me que voltavas de uma viagem longa e sem destino, onde a liberdade (não) comandava e disseste-me também que tinhas cheirado a fragrância do mundo.
A tua cara dizia-me que precisavas de uma sopa reforçada e deixei-te entrar: vinhas com um casaco de pele já suja há anos e deste-me logo a única pistola que tinhas para não desconfiar de ti. A cara suja dizia tudo: andavas bastante e devias comer os bichos que por aí andam só para sobreviver e continuar a tua viagem da vida.
A casa era de madeira - eu sei que não te lembras, mas eu digo-te. Quero que te lembres do que não te deste ao trabalho de observar por culpa da fome. A lareira aquecia-te as mãos de dedos em pontas redondas e unhas sujas à medida que pegavas na colher, pensando que esta poderia ser a última vez.
Eu peço-te imensa desculpa, fui indelicado ao ficar a observar-te do outro lado da mesa de um metro e meio, bem em frente de ti, sem tocar no meu chá já arrefecido. Mas não podes ter razões de queixa, eu também não gostei do facto de não teres reparado no rústico da casa.
Mas observaste a cama, isso eu sei.
E, apesar de ser minha, as saudades que tinhas de uma coisa daquelas fez-te meio que alucinar e pareceu-me que ela quase te saudava, acenando-te com os lençóis e sorrindo com a almofada de flanela cinzenta.
Se foi por isso que fizémos amor nessa noite? Não sei.
Mas foste embora na manhã seguinte e à noite, eu sabia que não voltavas.
High Toughts
11 dezembro 2010
À tua maneira
As lágrimas contidas têm pesos exorbitantes.
Condensam-nos pensamentos, embrulham-nos com papel-cartão pesado e colocam-nos numa balança inconstante.
Deixam-nos estáveis e a pensar correctamente:
pousamos malas com cuidado e batemos sempre à porta.
Lágrimas contidas são o excesso de acessórios de ti, uma etiqueta social de culturas populares.
E eu acho que também nos criam bolhas nos pés.
Larga a mala, a porta está aberta para nós.
Lança-te em vôo para a cama e esfaqueia os aliens da alma expressa em etiquetas racionais.
No 2º andar, inunda a cama, os tapetes e o quarto e deixa o teu rio de lágrimas correr pelas escadas, formando grandes cascatas sabor a fresco para poderes nadar.
Exterioriza-te e grita alto para meteres inveja aos pássaros.
Lágrimas fora são pecados inevitáveis onde o destino não comanda:
gritam-nos aráras e instintos descobertos momentaneamente.
Deixam-nos livres e aí podemos meditar.
08 dezembro 2010
Verdades incógnitas.
Levo-te os meus cabelos oleosos e despenteados, força que o vento superou. As evidências do acne estão vivas como o cheiro a sangue de boi que nas mãos lembrança guardo dos jantares pagãos.
E quando te entregas a mim
Sacio-me com a força de um cavalo e largo o arroto de boca grande. Canto-te a música encabulada, reflexo da vida banzada que levo;
Perante isto, será mesmo que me amas?
03 dezembro 2010
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