Um jantar. Nunca me julgues por me prostituir aí pelas casas dos outros, porque eu nem sempre cobro barato. Quando tu, escolhes minuciosamente as oportunidades, gastas dinheiro com as roupas e noites a ensaiar posturas e entoações no quarto, esperas aparecer O cliente, fazes-te difícil, brincas um pouco com a situação porque sabes qual vai ser o fim e até porque se demorares mais consigas mais uns trocos... E vem finalmente O jantar. O primeiro, ele com perfumes, tu com outros três no pescoço. Isto para esconderem o que todos nós cheiramos nas nossas entranhas: a podre.
Então vocês os dois - ou três, é à escolha - jantam, sorriem, falam, mostram que sabem dar gargalhadas estranhas e questionam-se. Vão beber café. Porque, porra, o jantar passou tão rápido.
E fodem. Dás a melhor foda com o teu cliente. Vendeste-te por um jantar.
E ainda tiveste o prejuízo do custo das roupas, da maquilhagem que ninguém pode saber, das noites pouco dormidas porque treinavas ao espelho. Podes também cobrar a atenção. Porque, afinal, tu és social. Tens um facebook, um blog, um twitter e ainda um instagram. Vá lá, e os copos ali em cascais ajudam a teres Nome e Postura. Porque basta só ter a postura. Então se conseguires fingi-la sem a teres, tens o jogo ganho. Mas falta-te o tal capricho teu, a atenção de alguém que tu categorizes especial. Alguém que tu, sub-conscientemente, tornes um deus. E esse cliente só precisa de dizer-te que sabe que tu existes. De dizer Bom dia logo de manhã, como diz a tantas outras pessoas no trabalho. Que diz que só pensa em ti e que vai ser para sempre, porque o coitado ainda não percebeu que vai morrer depois de uns anos de começar a ficar empelado e quinado dos miolos.
Podes até cobrar-lhe um casamento. Uma vida perfeita, um marido digno e estabilidade familiar e financeira. Pode dar-te o mundo. É bom quando nos dão o mundo. Ou que seja astronauta...
Começa a cobrar-lhes a alma. Vai-te saber mais justo. E não tenhas medo, que eles constroem o que tu roubaste em questão de meses ou anos, para os fraquinhos. Dás-lhes um chá, sei lá... Aquilo passa. Nunca vi ninguém a morrer de amor, a não ser os que já estavam mortos antes de amar. Tira-lhes a eles próprios. A pouca alma que lhes resta. Aqueles trocos de energia que eles foram juntando, pouco a pouco, para serem quem um dia queriam ser. Tu é que escolhes: cobras-lhes uma vida inteira de casamento ou só o sexo.
Mas tu - sim, tu - devias ter vergonha ao dizeres que não és uma grande puta.